Casé Lontra Marques


Avesso ao monumento, isto que ainda sinto ser esforço dedica seu artesanato à confecção de um instante que, apesar de precário, recusa cair nas engrenagens do espetáculo.

(in A densidade do céu sobre a demolição, 2009)


*


Compartilhamos, como poucos, ligações de rara reprodução:
nossos laços varam veias dos circuitos que
sustentam o combate
à comunicação. Parecemos seres de palavra
fraca, sintaxe
faminta; ruminando rumores,
no entanto, inauguramos
pactos de fala
que consagramos
à inutilidade. Movimentamos - quase digo -
signos sem
função. Não saudamos
nenhuma autoridade,
contudo
celebramos qualquer insuficiência.

(id.)


*


confrontar-se com o real faz trepidar o mundo duplicado que se enuncia como superação da realidade? não perguntar sobre a sua incidência permite que se suspenda o confronto com o real? seria a suspensão um circuito de atrocidades? a ficção construída como recusa constitui tanto um afastamento quanto uma proteção contra a dúvida?

(in Saber o sol do esquecimento, 2010)


*


CONTRACANTO

Não esperamos em vão porque não construímos
o que esperar (porque não
arriscamos
uma mediocridade maior): acreditamos

numa dor sem sofrimento: podemos
confessar
nossas insônias, às vezes com

entusiasmada autoridade, mas calamos
sobre o nosso sono;
calamos
sobre as vozes arrastadas pelos

cômodos que exigimos
cada
vez mais calmos, cada vez

mais nítidos, penso que habito
este corpo; meus músculos, no entanto,
continuam
despovoados: movimento
algum
lábio; digo que

habito este corpo: meus braços,
no
entanto, continuam

abandonados: preciso
falecer para falar: sem morrer

as mortes que me amordaçam,
não
conseguirei tocar
a
palavra com
que
aprenderei a me despreparar

(id.)


Casé Lontra Marques nasceu no Brasil em 13 de novembro de 1985. Vive no estado do Espírito Santo.



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