FAZER JUSTIÇA A RUI CAEIRO

Publicar aqui este artigo de José do Carmo Francisco sobre o novo livro de Rui Caeiro é, para mim, uma questão justiça. Fui um dos primeiros leitores deste volume sobre Vila Viçosa enquanto efémero responsável pelo "Tempo de Poesia" da revista Callipole, editada pela edilidade desse concelho do Alto Alentejo.
Vendo-me perante um texto poderoso, coloquei-o à consideração do director. Recusou a sua publicação, baseando a sua decisão no pretexto da extensão, embora pensando claramente (e não o escondendo) no carácter certeiro e cortante de alguns dos seus parágrafos, que incomodariam figuras da vila. Entendendo as areias que, por vezes, emperram as publicações de iniciativa oficial, vi-me obrigado a assumir perante Rui Caeiro uma posição que não era a minha, tentando justificar o injustificável. Infelizmente, continuei no "cargo", por respeito à memória ilustre do anterior coordenador, Manuel Inácio Pestana; hoje não o faria. Meses depois vi contudo que a recusa do director não seria apenas motivada pela preocupação de não ferir susceptibilidades no concelho. Apercebendo-me de que, num bloco de homenagem a J. O. Travanca-Rêgo por mim organizado, textos de alguns autores haviam sido alterados e acrescentados sem sua prévia autorização (e ladeados por uma "lira calipolense" habitada por versejadores ingénuos, coxos ou anacrónicos), não tive outra hipótese que não fosse abandonar o barco, como angariador de colaboração poética e até como colaborador. Isso comuniquei por carta ao Presidente da Câmara local e aos colaboradores que o haviam sido por minha iniciativa.
Por isto considero que a publicação da recensão de José do Carmo Francisco no blogue que coordeno é, também, o desfazer dum equívoco. Manifestando o apreço do autor de Transporte Sentimental pelo livro, veícula ao mesmo tempo o reconhecimento da sua qualidade pelo subscritor destas linhas, Ruy Ventura.


Pranto por Vila Viçosa, de Rui Caeiro

Vila Viçosa é a personagem deste livro: «Na minha terra, doce, amarga e viçosa, na minha terra, digo, sobre a minha terra foi escrito este livro. A duzentos quilómetros dela.»
Numa viagem ao passado («estou diante do puro passado, realidade primeira, esteio de todos os meus presentes») o autor começa por recordar as classes sociais: «Na minha terra havia os burgueses, os pobres e os pobrezinhos. Não se podiam ver uns aos outros.»
O mundo dos homens nem sempre coincidia com o das mulheres («as mulheres iam à igreja, os homens à taberna») embora fosse sobre as mulheres que recaíam as tarefas de prover à subsistência: «Se havia pão, faziam açorda de poejos; se não havia pão, mera sopa de poejos.» Vila Viçosa é paisagem («o vento, o sol, a chuva, o calor, o frio, eram mais amáveis») mas também povoamento: «Na minha terra há muita gente. Mas eu cá aconselhava-os a todos a, na medida do possível, passarem mais despercebidos.»
Tudo começa numa casa: «Na minha terra há uma casa que não me pertence, eu é que pertenço a ela. Foi vendida a casa dos meus avós e – ó Álvaro de Campos – o que eu sou hoje é também terem vendido aquela casa…»
A memória do autor envolve não apenas os seu mundo («Na minha terra nasceu gente ilustre. Públia Hortênsia de Castro, Florbela Espanca, Henrique Pousão, Bento de Jesus Caraça.») mas o mundo à sua volta: «Havia um homem que chorava, sabe-se lá por quê e havia um garoto que saudava despreocupado o ar fresco da manhã, a praça vazia, a dor de um homem. Ao mesmo tempo que ia passeando a sua meninice e, não tendo mais remédio nem alternativa, olhava e aprendia.»

(Posfácio: Vítor Silva Tavares, Depositária: Livraria Letra Livre)

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