YUSTE

Neste fim-de-semana, se tudo correr bem, estarei no mosteiro de Yuste (Cáceres, Espanha) para o lançamento da edição multilingue da obra de Anton van Wilderode, A Árvore-das-Borboletas, que tive o prazer de traduzir para a língua portuguesa. A obra do autor flamengo transfigura o último itinerário de Carlos V, de Gant (onde abdicou) até Yuste (onde faleceu e foi sepultado). O lançamento, na tarde de sexta-feira em plena igreja monástica, terá a presença do poeta espanhol Álvaro Valverde e de Beatrijs van Craenenbroeck, escritora e presidente da Associação dos Amigos de Anton van Wilderode.
Yuste vale, no entanto, por si. Não só pela beleza artística e pela memória histórica aí viva, mas sobretudo pela intensidade vegetal do silêncio e pela força dos elementos. É, dos lugares que conheço, um dos mais belos.
Terra fértil para a poesia, tem gerado múltiplas abordagens artísticas. Entre elas, encontra-se um belíssimo poema de Antonio Colinas, que ofereço aos leitores na tradução que se segue:


NO CAMINHO SEM CAMINHO
(Yuste)

Ser como esse cedro cheio de pássaros:
perdurar e cantar.
Não parece sequer mudar
com o incenso que os monges queimam,
com a água esverdeada do tanque,
com todo este esplendor de que recebe
a sua formosa plenitude.

Nunca partirei daqui, mesmo que parta.
Serei sempre laranjeira, hera, rola,
carvalho, ou borboleta, ou pedra eterna,
ainda que, na aparência, nosso corpo
siga por esse caminho sem regresso,
siga por esse caminho sem caminho.

Ainda que parta, ainda que não regresse,
e sinta tão devagar a asfixia dos anos
fui e serei esse cedro que oscila
na borda do tanque,
e que de noite acaricia as estrelas.

Aqui, nesta ladeira, com neve ou sem neve,
está quanto penso alcançar um dia,
por mais que o tempo hoje passe
como o regato que longe murmura:
desgastando rochas, arranhando silvas,
abismado em fontes.

Nunca partirei daqui, mesmo que parta.
Serei sempre rumor, voo de pássaro
do bosque ao jardim,
da sombra até à luz.
Quero ser algo mais do que o fruto vermelho
que brilha e que amadura, e se corrompe
anunciando o verão nas cerejeiras.

Sei que jamais partirei deste jardim.
E que, mesmo partindo,
algo hei-de levar deste paraíso
para outro lado.
Para onde?
Não sei.
O júbilo que hoje sinto é tão grande
que já não creio nem sequer na morte.
Essa morte que um dia fugiu deste lugar
(acaso para o jardim dos jardins),
quando abriram o chumbo e a madeira do sarcófago,
quando arrancaram o cadáver
da tumba do Imperador.


(in Tiempo y Abismo, 2002)

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