LEVI CONDINHO


Biografia - a partir do espelho

Só da remota infância guardas
a memória da água
dos seus sabores fontes diversas
- mais fresca era a da Espinheira -
gota a gota
foi o sangue sempre vivificado
irrigação do corpo sobrevivência do nada
esqueces agora o sabor após a ingestão
a actividade química dos fluxos que te percorrem
tem o sentido louco
da tesoura na máquina de Tinguely
abrindo e fechando as pontas
em busca de um objecto
jamais patente ao martírio do corte

tudo se passa numa tela iluminada
por uma luz inócua
desfocada
sem contrastes de sombra
ou imagens de apropriáveis contornos
caminhas e preparas um outro caminho
face a um outeiro sem substância
bordejado por muros invisíveis
há nessa ausência uma inconfessável
e íntima euforia
como a de um bicho que sem inquietação
pressente a morte

algures
ao Sul
esse bicho
cigarra grilo ralo
ou aquele a quem o nome nunca foi atribuído
prossegue a sua tarefa
cantando impassível nos ramos do teixo
nos sulcos abandonados da terra

1 comentário:

Anónimo disse...

Só agora vi este poema de Condinho. Ele talvez não se lembre de mim, mas andámos na mesma escola. Depois de...ele percebe.
Gostei muito deste poema.