H. P. LOVECRAFT
(traduções de NICOLAU SAIÃO)


1. O LIVRO

O lugar era escuro e poeirento, meio perdido
Num labirinto de vielas junto aos molhes,
Cheirando a coisas raras trazidas de outros mares,
Envolto em estranhas névoas agitadas p’lo vento.

Uns vidros em losango, que a geada e o fumo velavam
Deixavam entrever pilhas de livros, como torcidas árvores
Desde o sobrado ao tecto – putrefacto amontoado
De sapiência antiga a baixo preço. Enfeitiçado

Entrei, e dum montão cheio de teias
Um cartapácio tirei e ao acaso o folheei,
Estremecendo ao ler palavras raras que pareciam
Esconder de olhares humanos um prodigioso segredo.

E então, quando o vendedor astuto em volta quis achar
Apenas um eco de gargalhadas pude encontrar.


17. UMA RECORDAÇÃO


Era um lugar de grandes estepes e mesetas rochosas
Que se estendiam sem limites sob a noite estrelada,
Com fogos de acampamento que iluminavam debilmente
Manadas de bestas hirsutas cujos chocalhos tilintavam.

Ao sul, na distância, a planície alargava-se e descia
Até uma escura muralha correndo em ziguezague
Como uma imensa jibóia das idades primevas
Que o tempo infinito gelara e petrificara.

Eu tiritava estranhamente no ar frio e rarefeito,
Perguntando-me aonde estava e como havia ali chegado,
Quando uma figura embuçada, na contraluz da fogueira
Se levantou e se acercou, tratando-me pelo nome.

E ao mirar aquela face morta debaixo da capuz,
Perdi toda a esperança – pois tinha compreendido


19. OS SINOS

Ano após ano ouvi, sumido e ao longe
O som grave dos sinos
Que o vento negro da meia-noite transportava.
Dobres que de nenhum campanário pareciam vir
Uns estranhos repiques – eram só o que achava.

Através dum enorme vazio tinham voado.
Em sonhos e lembranças uma pista busquei,
Nos carrilhões que minhas visões albergam eu pensei;
Os da plácida Innsmouth, onde as gaivotas brancas se demoram
Planando em volta da velha torre duma igreja
Que em tempos bem frequentei.

Perplexo, aquelas notas longínquas eu ouvia tombar,
Mas numa noite de Março a fria chuva que pingava
As portas da memória me fez de novo franquear
Até às velhas torres onde um louco badalar soava.

Como dobrava... Desde as sombrias correntes que através
Dos vales profundos manam e se derramam
No leito morto do mar.

(in Os Fungos de Yuggoth, Black Sun Editores, 2002)

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