Antologia “Fanal”

NO CENTENÁRIO
DE AGOSTINHO DA SILVA

No seu número 9, editado a 26 de Janeiro de 2001, o suplemento “Fanal” resolveu homenagear Agostinho da Silva. Neste dia 13 de Fevereiro, se fosse corporalmente vivo, o filósofo e escritor faria 100 anos. Lembrando o amigo de quem recebi cartas que um dia publicarei, reproduzo hoje no “Estrada do Alicerce” quer o apontamento que então subscrevi com Nicolau Saião quer um poema de Agostinho.

UMA FOLHINHA DE VEZ EM QUANDO...

De vez em quando, num tempo que nos parece já distante e perdido numa certa neblina, Agostinho da Silva – o Professor Agostinho da Silva, viajeiro, estudioso, filósofo das sete partidas do mundo e fundador de universidades e fraternidades humanas – mandava-nos uma folhinha acompanhada frequentemente por um cartão escrito na sua letra quase críptica.
Era uma alegria recebê-las, evidentemente. E era evidente um gosto lê-las porque, para além dos temas recorrentes que o preocupavam, vinha sempre com elas o sinal de poesia e a atenção firme do confrade solidário. Aqui deixamos uma delas, de 91.
Com apreço, com saudade – porque gostaríamos de o ter neste milénio agora começado.

POEMA DO LUÍS AO PADRE ANTÓNIO

Eu bem te vi, Vieira, ler meu livro
com devidos cuidados pois o canto
não agradava muito aos companheiros
que ainda aí contigo estão no céu,
aquele em que eu narrei como é que a deusa
inventou para os nautas que voltavam
das Índias descobertas ilha bela
onde podiam descansar os corpos
e libertar as almas da prisão
de quem cercado está de espaço e tempo.
Uma razão seria não gostarem
da maneira por que eles se livravam
de todo o pesadelo que dá corpo
pois só assim podiam ouvir eles
a deusa que criava a própria vida,
e foi no fim o que ela encomendou,
que se dessem à vida criativa
quando ao seu Portugal regressassem.
E tu só alargaste este conselho,
que os gregos não seguiram apesar
de toda a paciência que tiveram
com a filosofia ou os mistérios,
o de que só criando se livravam
de serem personagens de tragédia
ou de comédia, o que é mais que pior,
o de criarem vida, pois poetas
somos nós todos quando à vida vimos.
Achaste ser pequena a deusa grega
para conselhos dar à forte gente
e lhe disseste que só Deus podia
vir lá do reino certo a nossas mentes,
desde que livres nós de nosso corpo
por outras formas que não são as minhas
mas para ti, António, são as justas,
para ti, padre, e para a Companhia.
Guerreiro e monge foste, pois, amigo,
eu marinheiro e monge, à minha moda,
sem negar-me a qualquer dos meus deveres
num e noutro sector, e bem cumpridos.
No campo que escolheste para seres
ou para o qual te escolheu teu Deus,
inteiro foste o que és, dever primeiro,
mesmo nas manhas de que rei sabia.
O teu renome durará que tempos,
o meu além do tempo alcançará.
E sabes tu porquê? Porque tu foste
sempre igual a ti mesmo e nada mais
quando o Deus que eu aceito é sempre o mesmo
e sempre diferente do que julgam,
ninguém, por isso, pode defini-lo.
Se marinheiro viam no Luís,
era só monge o que ele estava sendo,
se monge me supunham, logo viam
como eu ia sair-lhes marinheiro.
Tu foste sempre igual e definido,
eu sempre desigual, indefinido,
e mais perto de Deus do que julgaste.

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