Antologia “Fanal”

JOÃO RUI DE SOUSA


Declaração de Princípios

Não se pode enobrecer o sono.

É acordado
que as algemas se partem;
que o solo fica mais fértil,
que a luz, corda imaterial
e tão versátil,
melhor fulge na mente;
que a paz, ermo azulado,
mais junto fica ao latejar
do corpo, aos compassos
de voz e coração;
e que, felizes (beijando o sol
que as vê), brincam gaivotas,
lebres e crianças.

*

Sim, pois – caminhar num tempo raso
ainda que lúcido, seguir num tempo
brando de árvores carregadas:
o das palavras ágeis, mais exactas,
mais próximas das horas que levitam,
mais coladas aos corpos que se enlaçam,
mais junto à erva e ao rumor das águas
e mais perto das hélices dum futuro
que dê mais verde ao verde das planícies
e dissolva o bolor de tantas casas.

*

[...]

*

Que a voz enfrente sempre a violência,
mesmo o metal mais duro da peçonha.
Que um verso seja arremesso de pedra
contra feras de dolo e ramagens de dor.
Que palavras de brio, talvez ciscos de lava,
sejam das penhas soltas ou lançadas
a recusar cortinas de ardiloso sono.
Que as frases sejam pétalas despenhadas
com fraterno ardor e flocos de alvorada.

(nº 1, 19/05/2000)

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