ESTA VIDA DE PROFESSOR (3)

Não gostaria que ficásseis com uma imagem demasiado negativa do mundo em que vivem os docentes portugueses. Embora se note um crescente desencanto em relação ao exercício profissional – motivado, em boa parte, pelos ataques movidos contra a sua imagem, que têm posto em causa a sua relevância social –, os professores têm ainda muitas razões para se sentirem felizes nas escolas. Claro, têm que vestir todos os dias uma boa dose de estoicismo, para se aguentarem de pé depois das rasteiras da tutela, de sindicatos desligados da realidade, de conselhos executivos míopes ou maldosos, de colegas pouco conscienciosos, de alunos com educação deficiente, de famílias irresponsáveis e/ou inconsequentes... Mas, mesmo assim, se ao fim de cada dia colocarem nos pratos da balança os aspectos negativos e os aspectos positivos, encontrarão um saldo muitas vezes positivo. E é esse saldo que os faz andar para a frente – resistentes, como são, todos os dias.
Um exemplo, entre muitos que poderia dar. Trabalho com os alunos da minha escola num “Clube de Escrita”, que visa promover o gosto pela criatividade verbal e pela leitura. Somos todos voluntários. Nas duas horas semanais que lhe são dedicadas, eu poderia estar na sala de professores à espera de Godot... Naquelas horas demasiado matinais (e agora frias, de Inverno...) os alunos poderiam estar na cama, no calor dos édredons... Mas não. Preferimos ambos estar ali a lidar com as palavras, retirando delas saber e sabor... Tenho-me surpreendido com o entusiasmo dos gaiatos (como se diz na nossa terra, em saboroso português): chegam ao ponto de querer trabalhar noutras horas, só para escreverem. O resultado está à vista numa página da internet (http://www.santanapequenosescritores.blogspot.com/); os textos são ingénuos – como seria de esperar –, mas não deixam de ser saborosos. Digam lá se tudo isto não vale muito mais do que as chatices que tanta gente nos causa...
Infelizmente há alguns aborrecimentos a que os professores que amam a sua profissão não podem escapar. Podem resignar-se a tudo – mas não podem esquecer que, hoje em dia, têm que trabalhar com um sistema educativo que promove tudo, menos o verdadeiro sucesso dos alunos na aprendizagem. Deixemo-nos de tretas: aquilo que nos querem impingir não passará nunca de um sucesso artificial, sem verdadeira qualidade – uma espécie de vinho a martelo que terá consequências graves no futuro...
Poderá ser sucesso verdadeiro o que nasce de um sistema em que a reprovação dos alunos é dificultada ao máximo, através da imposição de um sem-número de procedimentos burocráticos que visam passar os alunos, sem que estes o mereçam, e vencer os professores pelo cansaço? Poderá conduzir ao sucesso um currículo preenchido por áreas não-disciplinares (Estudo Acompanhado, Formação Cívica, Área de Projecto, etc.), aparentemente benéficas, mas que redundam apenas numa infrutífera ocupação de tempo roubado às diversas disciplinas (sobretudo Língua Portuguesa e Matemática!)? Poderá existir sucesso quando essa falácia chamada “autonomia” permite às escolas a fixação dos mais díspares critérios de transição ou retenção (o mesmo aluno, com as mesmas notas, pode passar numa escola e chumbar noutra...)? Poderá existir sucesso num sistema educativo que tem sido desvirtuado nos seus mais elementares fundamentos, nomeadamente na promoção do mérito e na sã correspondência entre desempenho e consequências do desempenho (nos conhecimentos e nas atitudes)? Poderá, enfim, existir sucesso numa Escola em que não se promove a disciplina e o respeito nas vivências sociais, fazendo corresponder aos direitos um claro quadro de deveres, cujo não cumprimento corresponderia a sanções rápidas e exemplares?
É fácil, quando se fala em insucesso escolar, atribuir todas as culpas aos professores e a factores sócio-ecónomicos. Algumas existirão, decerto. Não equacionar as questões anteriormente referidas é ter, contudo, uma visão coxa das suas causas. Infelizmente, poucos ou nenhuns sindicatos enfrentam o Ministério da Educação para que estas questões sejam resolvidas. Por esta e por outras razões não costumo fazer greves.

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