CRISTÓVAM PAVIA

REQUIEM

(ao menino morto, eu próprio)

A tarde declina com uma luz ténue.
Estou grave e calmo.
E não preciso de ninguém
Nem a luz da tarde me comove: entendo-a
Até as imagens me são inúteis porque contemplo tudo.

Os ventos rodam, rodam, gemem e cantam
E voltam. São os mesmos:
Como os conheço desde a infância!
E a terra húmida das tapadas da quinta...
O estrume da égua morta quando eu tinha seis anos
Gira transparente nesta brisa fria...
(Na noite gotas de orvalho sumiam-se sob as folhas das ervas...)

Oh, não há solidão nas neblinas de Inverno
Pela erma planície...

E foi engano julgar-te morto e tão só nas tapadas em silêncio...
Agora sei que vives mais
Porque começo a sentir a tua presença grande como o silêncio...
Já me não vem a vaga tristeza do teu chamamento longínquo.
Já me confundo contigo.




POEMA

(de uma fotografia de meu Pai comigo,
pequeno de meses, ao colo)

Vamos através do incêndio
Mas não temas, meu filho.
Podes dormir nos meus braços frescos e fortes,
Embala-te a cadência dos meus passos.

Vamos através do incêndio
E sonhas.
Detrás das tuas pálpebras a tarde
Beija e doira as folhas dos sobreiros.

E quase me esqueço
Deste puro fogo,
P’ra te dar frescura.

Arde o meu sangue calmo,
E o meu suor, arde.

E, devagar,
Vamos através do incêndio.

Dorme, meu filho.



Da antologia do Prémio Almeida Garrett – 1954, editada em 1957.

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